"Pesadelos
Acordou assustado. Acabara de ter um horrível pesadelo, o pior de toda a sua vida. Nele, não conseguia parar de vomitar toda sorte de insetos e "similares": baratas, besouros, formigas, centopéias, e outras criaturas bizarras. Em choque e suado, levou alguns segundos para recuperar-se e dar-se conta de que tudo estava bem. Sua esposa dormia tranquila, mas sua filha chorava no quarto ao lado. Foi vê-la e logo detectou o problema: uma fralda suja. Foi trocá-la e sentiu vontade de vomitar ao ver seu conteúdo nojento. Estava acostumado com a tarefa, nunca tinha sentido isso antes. O pesadelo sem dúvida mexera com ele. Conseguiu resistir e fez a troca, logo retornando para a cama.
Indo para o trabalho, presenciou um terrível acidente, dois carros amassados, e dois corpos retorcidos no asfalto. Mais uma vez veio a vontade, e mais uma vez ele resistiu e não vomitou. Chegou no escritório, feliz por poder deixar para trás aquela estranha manhã e enterrar-se no trabalho burocrático que tantas vezes desdenhara antes. Voltou para casa, ainda incomodado com o pesadelo, embora nenhuma outra ocorrência tenha sido registrada ao longo do dia. Após encerrar suas atividades, deitou-se, fechou os olhos e orou para que o pesadelo não retornasse. Mas suas preces ficaram sem resposta. Lá estavam novamente todos os animaizinhos nojentos, brotando de sua boca, de forma ininterrupta.
Era, sem dúvida, um pesadelo diabólico, surgido diretamente do inferno. Repetiu-se, então, o mesmo esquema, a mesma rotina. A fralda suja da bebê. Algum acontecimento nojento durante o dia. E, à noite, o retorno do pesadelo. Dia após dia. Semana depois de semana. E o sentimento de desconforto só crescia, a sensação constante de nojo persistia. Ele tentou mudar seus hábitos, buscou por remédios e terapias que lhe trouxessem alívio. Mas nada adiantava. Até que um dia o desespero fez com que ele tivesse uma ideia inusitada.
Saiu pela cidade coletando insetos. Vasculhou os cantos e buracos mais escuros em busca das criaturas. Nem mesmo os bichos voadores escaparam de sua determinada caçada. Trancou-se em casa e então realizou seu extravagante banquete. Seus dentes trituraram pernas, asas e antenas. E não demorou muito para que os bichinhos exigissem a sua saída, e irrompessem garganta acima, sem qualquer cerimônia. Ali estava o pesadelo enfim tornado realidade. Com lágrimas nos olhos, ele ajoelhou-se e rezou para que seu tormento noturno tivesse chegado ao fim graças à sua sinistra estratégia.
A noite veio, e com ela nenhum pesadelo. Ele estava livre daquelas sombrias imagens de insetos sendo vomitados. Sua ideia deu certo, e ele finalmente teve um dia feliz, onde conseguiu aproveitar seu trabalho, sua esposa e sua filha como há muito tempo não fazia. Foi para a cama novamente sem medo, certo de que não mais precisaria encarar o terror dos pesadelos. Ledo engano. O vômito destemperado estava de volta, e desta vez não eram insetos que estavam sendo devolvidos, mas partes do corpo de sua filhinha, que ele reconhecera imediatamente.
Voltou ao mundo real, abriu a janela e saltou, vindo a encontrar o asfalto 20 andares depois. Morreu contente, pois sabia que esta era a única solução que ele seria capaz de aplicar ao seu pequeno problema com os pesadelos que insistem em continuar brincando até tornarem-se reais."
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