4/03/2011

Cemitérios

Mais um poema clássico de Florbela Espanca:

"Cemitérios

Cemitério da minha terra,
Paredes a branquejar;
Que bom será lá dormir
Um bom sonho sem sonhar!...

De manhã, muito cedinho
Dormir de leve, embalada
P´las canções das raparigas
Que gentis passam na ´strada.

Cantem mais devagarinho,
Mais baixinho, camponesas,
Que os vossos cantos pareçam
Tristes preces, doces rezas...

À noitinha, ao sol posto
Ouvindo as Ave-Marias!
Meu Deus, que suavidade!
Que paz de todos os dias!

Os murmúrios dos ciprestes
São doces canções aladas
Serenatas de paixão
Às almas enamoradas!

O luar imaculado
Em noites puras, serenas,
É um rio, que vai fazendo
Florir as açuçenas...

Canta triste o rouxinol
Beijam-se lindos uns goivos,
E no fundo duma campa
Dormem felizes uns noivos...

Dum túmulo a outro se fala:
"Porque morreste tão nova?
Porque tão cedo vieste
Dormir numa fria cova?"

"Eu era infeliz na terra,
Ninguém me compreendia,
Quando a minh ´alma chorava
Todos pensavam que eu ria..."

"E tu tão triste e tão linda
Com olhos de quem chorou?"
"Eu tive um amor na vida
Que por outra me deixou!"

"E tu?" "Sozinha no mundo
Nunca tive o que outros têm:
Pai, mãe ou um namorado...
Morri por não ter ninguém!..."

Uma diz: "Chorava um filho
Que é uma dor sem piedade",
Outra diz num vago enleio:
"Eu cá, morri de saudade!"

De todas as campas sai
Um choro que é um mistério
É então que os vivos sentem
As vozes do cemitério...

... Vão-se calando os soluços...
E as pobres mortas de dor
Vão dormindo, acalentando
Uns sonhos brancos d´amor...

Invejo estes doces sonhos
Neste terreno funéreo.
Ai quem me dera dormir
No meu lindo cemitério!"

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