3/11/2012

ABC

"ABC

Pegou a faca e começou a desenhar a letra A em seu braço. Foram três cortes firmes e demorados. Ao ver sua obra terminada, ficou feliz. Como há muito tempo não ficava. Tão feliz que nem sequer ligava para a dor. Na noite seguinte, desenhou um B, de forma ainda mais perfeita e demorada. E assim continuou, uma letra por noite, usando seus braços e pernas como quadro para seu alfabeto escarlate. O inverno facilitava a missão de esconder dos outros, idiotas, as belas e meticulosas marcas. Ah, se tivesse começado mais cedo, quando ainda tinha chance de usar aquela sensacional descoberta para mudar seu destino. A verdade é que, para ela, a vida já estava perdida. E ela sabia. Decidiu, então, compartilhar o abecedário com sua irmã e seus colegas de classe, as pessoas que ela acreditava merecerem ter um futuro brilhante. Numa manhã de terça-feira, invadiu a sala de aula, nocauteou a professora, trancou a porta e iniciou seu imprescindível trabalho. Uma a uma, as nove crianças tiveram as 26 letras desenhadas em seus corpos. Sim, agora elas sabiam. Agora, elas poderiam crescer. Agora, eram completas, como ela jamais pôde ser. Depois de terminar o Z na sola do pé de sua irmã, pegou a faca e golpeou repetidamente a própria barriga. Sua vida, sem dúvida, merecia um perfeito e imaculado ponto final."

1 comment:

Kacius said...

Que isso?